Por: Flávia Rudge Ramos
Em meados dos anos 70, minha mãe estava entusiasmada com o “turismo de negócios”, uma forma de manter ocupado o Hotel Vila Inglesa na baixa temporada, numa época anterior a inauguração da estrada nova.
Naqueles tempos pré-internet, ela se empenhava em divulgar o nosso hotel junto as empresas e já havia conseguido realizar convenções de grandes corporações como a Xerox.
O João Ferreira, chefe da portaria, bateu a porta do seu escritório animado:
– Dona Alba! Recebi uma reserva de 23 suítes luxo para uma convenção de funcionárias do La Licorne no mês que vem.
– La Licorne? Tem certeza? Quem fez a reserva?
– Um tal de Hercílio Paiva.
– João, você sabe que empresa é essa?
– Sei não. Mas parece que é uma firma de estética muito elegante que fica no centro de São Paulo.
Minha mãe ficou apavorada. O João havia aceitado a reserva e o pagamento seria compensado nos próximos dias.
Correu para o meu pai. Ele deu risada.
– Porque está tão preocupada? O hotel ficará lotado de moças lindas. As contas do hotel desse mês e do seguinte ficarão garantidas.
– Flávio, o nosso hotel é de família.
– Aquelas moças também são. Não seja antiquada. Há apenas outros dois apartamentos reservados para aquela data. É só colocar os outros hóspedes em alas distantes.
Para quem não sabe, o La Licorne foi um luxuoso bordel que funcionou entre 1965 e 1991 na Rua Major Sertório em São Paulo. Era tão famoso que se tornou atração turística recomendada no guia da Embratur. Segundo matéria publicada pela Veja, estrangeiros ilustres como Henry Kissinger (1923), Nat King Cole (1919-1965) e Júlio Iglesias (1943) visitaram o local¹.
Como naquele época uma ligação interurbana poderia demorar horas, levou alguns dias para ela falar com o Hercílio, o “Gravatinha”, marido da cafetina Laura Garcia, e descobrir que tudo não passava de uma brincadeira, para alívio de todos, pois até o meu pai estava preocupado com a reação da minha avó Nerina. Suspeitaram que o autor do trote fosse um amigo que era cliente assíduo do La Licorne, mas nunca tiveram certeza.
_______________
1- LOPES, Dias, “Bife de bordel”, revista Veja, São Paulo: Ed. Abril, 25/11/2016