Volta Fria – as geadas quase perenes, a fonte e as amoreiras

Edmundo Ferreira da Rocha - Colunista

Desde a década de 1920, a atual Rua Felício Raimundo, acesso entre as vilas Jaguaribe e Abernéssia, partindo da ponte existente nas proximidades da atual Igreja Universal (antigamente Agência e Posto de Gasolina da Ford de Vila Jaguaribe, posteriormente Depósito Myra Fernandes) e Bicicletaria do Laércio, 2009, até as proximidades do Ginásio Esportivo “Armando Ladeira”, sempre foi chamada de “A volta fria”. Esse nome é, realmente, muito oportuno e traduz a verdadeira realidade do local. Até hoje, mesmo depois de sensíveis alterações sofridas com a construção de diversos imóveis, corte de boa parte da vegetação existente nesse trecho, asfaltamento do leito carroçável e outras modernidades, ainda se justifica esse nome. É um dos trechos mais frios de Campos do Jordão, até fora da época do inverno rigoroso.

Amora de Campos do Jordão
Amora de Campos do Jordão

Lembro-me muito bem desse trecho quando ali residi, na longínqua década de 1950. Em todo percurso, aproximadamente 1.500 metros, não havia mais que dezesseis construções. Lembro-me do Bar do seu Debuche, da casa do seu Neme Saloum Nejar e família, da casa onde morava o Sr. Sebastião Gomes Leitão e familiares, do Barracão, anteriormente utilizado como oficina mecânica da FORD, de propriedade, na época, do Sr. Henrique Mudad, de São José dos Campos, posteriormente utilizado como garagem de ônibus; da Colchoaria do seu Veríssimo; das casas dos senhores Felício Raimundo, Sebastião Pires Magalhães, Luiz Gonçalves, pai do Beto da Padaria Karina, João de Oliveira; do pequeno sobrado onde morei com meus pais na parte térrea e meu tio Álvaro Ferreira da Rocha, na parte superior; do outro sobrado ao lado onde moravam Laurindo Fonseca e um irmão do seu Pedro Russo; da casa com carpintaria e marcenaria do Pedro Russo e família; da casa abandonada antes da sua conclusão, do Centro Espírita Fé, Esperança e Caridade, do seu Álvaro Magnoli, do Aniano Gonçalves Abrantes e Carmem Astolfi; da paupérrima casa, já nas proximidades da atual Tomotec – Rádio e Televisão, do amigo Renato Januzzi, onde moravam Dona Eduvirges e seu filho, conhecido como mudinho do Aureliano, famoso engraxate das décadas de 1940 e 1950, que trabalhava junto à Agência dos ônibus verdes, próxima à atual Drogaria São Paulo, que faziam o trajeto entre Campos do Jordão e São Paulo e vice-versa. Esses ônibus pertenciam à Viação São Paulo a Campos do Jordão, do seu Antonio de Oliveira Pires, o mesmo que, posteriormente, ficou famoso por iniciar a cultura de oliveiras aqui em Campos do Jordão, conseguindo muito sucesso, inclusive, fabricar o primeiro azeite de oliva brasileiro, analisado pelo Instituto Adolfo Lutz de São Paulo, declarado de qualidade comparável à dos melhores azeites de oliva do mundo.

Nesse tempo, a Volta Fria, especialmente no trecho já próximo ao Centro Espírita e à antiga ponte pênsil que ligava a Rua Felício Raimundo à linha da Estrada de Ferro Campos do Jordão e Avenida Januário Miráglia, proximidades do atual Supermercado Rosado, até ao atual Ginásio Esportivo, dificilmente era atingida pelos raios solares. O seu posicionamento impossibilitava que os raios do Sol, desde a hora nascente até a poente, atingissem toda essa área. Durante quase toda sua trajetória diária, o Sol ficava escondido atrás dos altos morros existentes nas proximidades. Os raios solares não conseguiam ultrapassar essa barreira natural, e a densa vegetação que cobria essa área não permitia que Sol iluminasse e aquecesse a vegetação rasteira existente junto às margens do leito carroçável dessa rua, ponto de maior concentração das densas geadas, impossibilitando seu derretimento de um dia para outro. Era comum a presença de gelo em qualquer hora do dia. Na época do inverno rigoroso, que ia do final de março até o início de setembro, o frio era demasiadamente insuportável, justificando essa denominação “A volta fria” .

Nas proximidades do Centro Espírita ainda existente, do lado direito de quem vem de Jaguaribe para Abernéssia, existia uma maravilhosa fonte de água pura e cristalina procurada por grande parte da população jordanense, para bebê-la diretamente na bica, ou para buscá-la e armazená-la em garrafões de vidro e vasilhames diversos para levá-la para consumo em suas casas. Realmente, era uma água maravilhosa, sempre muito gelada e puríssima, que vinha diretamente do subsolo do morro coberto pela densa mata da propriedade do Gianotti, sem nenhuma possibilidade de contaminação.

Infelizmente, devido ao despreparo, descuido, desinteresse, à falta de atenção e ao relaxo dos responsáveis e trabalhadores que passaram a moto-niveladora para alargamento do leito carroçável da rua, para possibilitar o asfaltamento, há mais de vinte anos, acabaram por aniquilar a nossa Fonte da Volta Fria. Foi perdido o veio d´água. E assim, perdemos uma de nossas melhores fontes de água potável de Campos do Jordão.

E nem sequer tentaram reencontrá-lo e restaurá-lo, ali ou nas mesmas imediações.

Nesse mesmo trecho, havia um denso e enorme amoreiral, de amoras negras e silvestres, nativas de Campos do Jordão, bem identificadas pela amiga Maria Martha de Almeida Ramos, em sua música “Cheiro de Terra Molhada”, que retrata com “amoras do mato”, um pouco de nossa terra. Na época dos frutos, entre os meses de janeiro e março, a quantidade de amoras produzidas por essas amoreiras era fenomenal. Quando morei nessa Rua, na década de 1950, eu e os poucos garotos e garotas que ali moravam, juntando-se a outros que vinham de outros locais, comíamos tanta amora que ficávamos com as mãos e lábios roxos do suco que vinha desses frutos maravilhosos. As nossas roupas, nem é preciso mencionar como ficavam. Chegávamos a colher várias vasilhas dessas amoras que, levadas para casa, eram espremidas e coadas em panos especiais, transformadas em delicioso suco de coloração semelhante a alguns vinhos tintos, daí nosso costume de chamá-lo de vinho de amora.

Essas amoreiras tinham seus galhos e ramos totalmente revestidos de espinhos acúleos que nos espetavam as mãos, braços, pés e pernas, porém nunca nos impediram de nos deliciarmos com seus maravilhosos frutos.

Lamentavelmente, o dito progresso, desordenado, implacável, até certo ponto inevitável, acabou com todas essas coisas maravilhosas. A Volta Fria, embora ainda um dos pontos mais frios de Campos do Jordão, nem chega a ser comparada à daquelas décadas. A fonte já não existe. As amoreiras cederam lugar para as diversas construções comerciais que foram introduzidas em todo o trecho de seu habitat natural.

Agora, somente a saudade e a recordação desses memoráveis anos de nossas vidas que, infelizmente, somente voltam quando buscados no fundo dos baús de nossas memórias. Por isso, é importante deixar registradas essas histórias e verdades, para que, no futuro, alguém possa conhecer como eram maravilhosos esses Campos do Jordão.

20/05/1998

Veja essa e outras crônicas em www.camposdojordaocultura.com.br

AMECampos e CineClube Araucária realizam exposição do cineastra Alberto Cavalcanti

Dicas para aprender a comprar o sapato certo